Delinquência acadêmica
Por Walter Hupsel
Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou as 90 faculdades que conseguiram a proeza de não ter nenhum dos seus alunos aprovados no exame da Ordem. SIM, é uma proeza quase heróica não ter NENHUM dos seus alunos aprovados. Fico mesmo imaginando uma pegadinha, Ivo Holanda aparecendo na sede nacional da OAB e rindo à beça dos togados.
Mas não, infelizmente não foi “pegadinha”, mas sim o retrato cru da realidade do ensino superior brasileiro, na sua expansão a todo e qualquer custo promovida pelo recém falecido, e por isso canonizado, o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza.
Ali, mais do que expandir o ensino universitário, Paulo Renato o loteou, rifou e o massificou com todas as características que isso tem de pior. A maior parte da expansão foi feita apenas pelo viés da mercantilização, sem nenhuma outra preocupação.
A equação era simples para os aventureiros do ensino superior: Entra dinheiro, sai diploma. Uma compra vantajosa, com a grande vantagem de ser parcelada em 48 meses, e sem juros. Mas no meio do caminho havia uma pedra. Como toda entrega de produto, a logística é fundamental e atrasos são mal vistos pois atestam a incompetência da empresa.
Neste caso, a pedra responsável pelo atraso tem nome. Professor. É ele quem pode “atrapalhar” o aluno na consecução do seu objetivo imediato, a compra parcelada do diploma que, segundo as propagandas, catapultariam esses estudantes a uma vida confortável, com bons salários , carro zero km na garagem e as contas em débito automático, o sonho da classe média brasileira.
Se o atraso persiste, a empresa de venda parcelada de diplomas começa a ter problema com seus clientes, e corre o risco de perdê-los. Na lógica mercantil dessa educação, isso implica menor lucro. Logo, racionalmente, a melhor saída é diminuir ou mesmo tirar a pedra do caminho.
Assim, e sem meias palavras, todas as pressões recaem sobre o professor. Direção, alunos e, creiam, muitas vezes os pais vão à coordenação reclamar de notas de alunos. Vejam bem, estou falando de minha experiência pessoal, como professor universitário, dando aulas pra alunos de, em média, 20 anos.
Nesse círculo deletério, o professor é praticamente impedido de fazer o seu trabalho, de ensinar a matéria e cobrar leitura e resultado dos alunos. Quando ousa dizer que um aluno não está apto, é pressionado a “reconsiderar” sua avaliação. Em muitos casos são demitidos por, vejam só, cumprir sua obrigação ética.
Mas o discurso de “melhorar de vida”, a propaganda de ascensão social continua, e atrai clientes. A leniência da instituição de “ensino” é corroborada por alunos que sabem da aprovação, sabem que o contrato de entrega da mercadoria em 48 meses terá que ser cumprido. Resulta óbvio: finge-se que ensina, finge-se que aprende. Quem tenta não fingir está no lugar errado, infelizmente.
Assim a deliquência acadêmica continua, ad eternum. E os cofres não param de encher, para júbilo dos empresários “educacionais”, e infortúnio dos alunos, dos professores e, mais, da educação superior no Brasil.
O sonho do carrinho zero km, das contas em débito automático não se realiza. Demora, mas esses alunos, principalmente os dedicados e esforçados, percebem que foram vítimas de estelionato. Que agradeçam ao finado ex-ministro.
P.S. Vejam aqui a lista destas “faculdades”. Em uma delas comecei minha carreira de professor universitário. Fui demitido por reprovar alunos. Devia estar feliz, me sentir vingado, mas não estou.
Texto publicado no link: http://colunistas.yahoo.net/posts/12353.html
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Se escola fosse estádio e educação fosse Copa, por Jorge Portugal
"Passei, nesses últimos dias, meu olhar pelo noticiário nacional e não
dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de
aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno
do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.
dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de
aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno
do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.
Há semanas, o todo-poderoso do futebol mundial ousou desconfiar de
nossa capacidade de entregar o “circo da copa” em tempo hábil para a
realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados
pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo
das obras.
nossa capacidade de entregar o “circo da copa” em tempo hábil para a
realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados
pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo
das obras.
Fiquei pensando: já imaginaram se um terço desse vigor
cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público?
É… pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental,
nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria
sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço
nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos
para preparar a Copa do Mundo?
cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público?
É… pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental,
nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria
sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço
nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos
para preparar a Copa do Mundo?
E olhe que nem precisaria ser tanto! Lembrei-me, incontinenti, que o
educador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da
República, encaminhou ao Senado dois projetos com o condão de fazer as
coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê
simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino
básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores,
coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e
recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do
Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Que tal? Não é valorizar essa
classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o
Brasil? O projeto está lá… parado, quieto, na gaveta de algum relator.
educador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da
República, encaminhou ao Senado dois projetos com o condão de fazer as
coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê
simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino
básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores,
coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e
recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do
Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Que tal? Não é valorizar essa
classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o
Brasil? O projeto está lá… parado, quieto, na gaveta de algum relator.
O outro projeto, do mesmo Cristovam, é uma verdadeira “bomba do bem”.
Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que “daqui a sete anos, todos
os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da República
serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino”. E
então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais),
senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas,
sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos?
Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio
Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe
dele."
Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que “daqui a sete anos, todos
os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da República
serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino”. E
então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais),
senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas,
sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos?
Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio
Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe
dele."